A dor é um mecanismo de alerta ao indivíduo de que seu organismo está em desequilíbrio homeostático. É definida como um processo "Biopsicológico" pois depende de fatores fisiológicos como os nociceptores e o processo inflamatório e também de interpretação pelo sistema nervoso central.
Na odontologia, a dor é comumente do tipo aguda, por isso, é imprescindível o conhecimento dos anti-inflamatórios e analgésicos por parte dos profissionais, para que os mesmos possam promover um tratamento (e recuperação) mais confortável para o paciente.
Diversos medicamentos apresentam capacidade de debelar a resposta dolorosa/inflamatória, dentre elas: Analgésicos, anti-inflamatórios, anestésicos locais, relaxantes musculares, benzodiazepínicos e oxido nitroso. O presente texto irá comentar, de forma simples, acerca dos anti-inflamatórios e analgésicos mais utilizados na prática odontológica.
Dor e Inflamação
Como mencionado acima, a dor é um processo que envolve características psicológicas e fisiológicas. Didaticamente, é dito na literatura que a dor pode ser dividida em dois componentes: Percepção e reação. A percepção da dor envolve os processos de transdução e transmissão dos impulsos nervosos. A transdução pode ser definida como a transformação de estímulos nocivos em estímulos elétricos, já a transmissão está relacionada com a "movimentação" desses estímulos até o córtex cerebral. A reação é a "manifestação individual" da dor, ou seja, onde o estímulo será interpretado, podendo ser influenciado por experiências anteriores, estado emocional, entre outros fatores. A reação envolve o sistema límbico, hipotálamo e tálamo.
Os nociceptores são os receptores relacionados com a transmissão dos impulsos dolorosos. Esses, podem ser sensibilizados por mediadores químicos provenientes dos processos inflamatórios (que serão mencionados adiante), traumas e processos isquêmicos. Esses mediadores, além de da sensibilização desses receptores, podem também, diminuir o limiar de dor dos mesmos, produzindo um quadro chamado de hiperalgesia.
O processo inflamatório tem início com a liberação de fosfolipídeos, após uma determinada injúria sofrida pelas células (processos citados acima). Com isso, esses fosfolipídeos são degradados por uma enzima chamada de fosfolipase A2, produzindo ácido araquidônico, que por sua vez, será degradado por dois grupos de enzimas: as cicloxigenases e lipoxigenases.
O ácido araquidônico, quando degradado pela cicloxigenase (COX) dará origem aos seguintes mediadores químicos: Prostaglandinas, prostaciclinas e tromboxanos. As prostaglandinas e prostaciclinas são importantes mediadores inflamatórios, pois possuem capacidade de sensibilizar os nociceptores, produzindo quadros de hiperalgesia.
Atualmente, sabe-se que existem três tipos de cicloxigenases. A COX-1 (constitutiva) está mais relacionada com fenômenos fisiológicos como a proteção da mucosa gástrica, regulação da função renal e agregação plaquetária. A COX-2, em condições normais, é encontrada em baixos níveis no organismo, aumentando bastante nos quadros inflamatórios, por isso, tem sido chamada de induzida. No passado, acreditava-se que essa enzima só estava relacionada com a inflamação, o que não é verdade, pois também tem relação com o metabolismo fisiológico, como a homeostasia da pressão arterial, controle da agregação plaquetária, entre outros. Sabe-se da existência da COX-3, contudo, seu mecanismo de ação ainda não foi bem estabelecido.
As lipoxigenases estão relacionadas com a formação dos leucotrienos, que são de grande importância na indução dos processos alérgicos (que será discutido em postagens futuras).
De forma simplificada, os eventos mencionados levam à sensibilização dos nociceptores e o aumento da permeabilidade vascular e vasodilatação, instaurando o quadro de inflamação, com as características já consagradas na literatura. (logicamente, o processo inflamatório é mais complexo e envolve vários mediadores químicos, bem como interleucinas, sistema complemento, interferons, entre outras substâncias pró-inflamatórias. Por isso, para o conhecimento mais aprofundado, sugiro pesquisa em compêndios, artigos ou livros especializados no assunto).
Os AINES são uma das drogas mais prescritas pelos profissionais que podem receita-las. São bastante populares entre os pacientes, inclusive, são recorde em automedicação por parte desses. Atualmente, os AINES são divididos em três grupos: Não seletivos; seletivos COX-2; e específicos COX-2. Levando em consideração a cascata de eventos acima, é sabido que esses medicamentos agem nas enzimas cicloxigenases (1 e 2) diminuindo consideravelmente a produção de prostaglandinas, reduzindo assim, o quadro inflamatório. No passado (não tão distante), acreditava-se que o foco desses medicamentos deveria ser na COX-2, pois a mesma está mais relacionadas com os quadros de inflamação, e a COX-1 aos processos fisiológicos (como exposto acima). Atualmente, sabe-se que a COX-2 também está relacionada com atividades fisiológicas do corpo e que os AINES específicos (Coxibes) podem levar a quadros de hipertensão e trombose, se usados por longos períodos.
Os AINES apresentam diversas contraindicações, dentre elas: Pacientes que fazem uso de anti-agregantes plaquetários, com histórico de infarto do miocárdio, com alterações renais e hepáticas importantes.
Os efeitos tóxicos mais relatados na literatura acerca dos AINES são: Úlceras gastrintestinais, náuseas, vômitos, diminuição do fluxo sanguíneo renal e retenção de sódio.
Na odontologia, essas substâncias são utilizadas por volta de 2 ou 3 dias, então, podem ser utilizadas de forma segura, com pouco risco de alterações mais graves, exceto, é claro, quando essas drogas são contraindicadas. Os AINES mais utilizados na odontologia e suas respectivas posologias mais usuais são:
* Apenas alguns exemplos de AINES
** Apesar do fraco efeito anti-inflamatório, o Paracetamol pode ser considerado como um.
*** Atuam preferencialmente na COX-2
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https://pt.slideshare.net/RenatoSantos40/aula-antiinflamatrios |
Ibuprofeno - Assim como o Naproxeno e o Cetoprofeno, é um derivado do ácido propiônico. É um anti-inflamatório com boas características analgésicas e anti-térmicas. As dosagens mais usuais são 600mg ou 400mg de 6 em 6 horas ou de 4 em 4 horas. Dose máxima de 3200mg por dia.
Ácido Acetil Salicílico (AAS) - Boa ação anti-inflamatória, anti-pirética e analgésica. Está relacionado com atividade anti-agregante plaquetária, por isso, é bastante utilizado em pacientes com comprometimento cardiovascular, de modo preventivo. A dose usual é de 500mg de 6 em 6 horas. Dose máxima de 4000mg por dia.
Diclofenaco - É um dos AINES mais populares, apresenta duplo mecanismo de ação, diminuindo a dor por meio da depressão de nociceptores e pela diminuição dos mediadores químicos pró-inflamatórios (mecanismo normal dos AINES). O diclofenaco de Potássio é preferível por ter uma ação mais rápida. A dosagem usual é 50mg de 8 em 8 horas. A dose máxima é de 200mg por dia.
Aceclofenaco - Análogo do diclofenaco. Apresenta bons efeitos contra a dor e inflamação. A dose usual é de 100mg de 12 em 12 horas.
Nimesulida - É considerado um AINE seletivo COX-2, mais indicado para pacientes com problemas gastrintestinais. Apresenta boa ação anti-inflamatória. A dose usual é de 100mg de 12 em 12 horas.
Cetoloraco de Trometamina - É mais utilizado como analgésico, embora apresente atividade anti-inflamatória e antipirética. A dose usual é de 10mg de 8 em 8 horas. É um comprimido sublingual. Dose máxima de 90mg por dia.
Meloxicam - Pertencente ao grupo dos Oxicans, foi desenvolvido para atuar de forma preferencial na COX-2. As doses usuais são de 7,5mg ou 15mg de 24 em 24 horas.
Piroxicam - Foi a primeira droga desenvolvida do grupo dos Oxicans. Diferente do meloxicam, não é do tipo não seletivo. A dose usual é de 20mg de 24 em 24 horas.
Celecoxibe - Faz parte do grupo dos Coxibes, seletivos COX-2. Mais indicados para pacientes com complicações sérias no trato gastrintestinal, pois são menos agressivos a esse sistema. Apesar disso, são contraindicados para pacientes com doenças cardiovasculares (as reações ligadas ao medicamento estão relacionadas com seu uso por longos períodos, o que não deve ocorrer na odontologia). A Dose usual é de 200mg de 24 em 24 horas ou 100mg de 12 em 12 horas.
Etoricoxibe - Apresenta as mesmas indicações e contraindicações do Celecoxibe. A dose usual é de 60mg ou 90mg de 24 em 24 horas.
Anti-inflamatórios esteroidais - AIES
Os AIES são os famosos corticosteroides. Essas drogas atuam na inibição da enzima Fosfolipase A2, diminuindo de forma bem significante a formação de prostaglandinas, prostaciclinas e leucotrienos (por isso são também usados nos quadros alérgicos).
Essas drogas estão contraindicadas nos casos de doenças fúngicas profundas, lesões causadas pelos vírus da família Herpes, tuberculose e, claro, pacientes que tenham alergias a esses medicamentos.
O uso prolongado desses medicamentos normalmente é visto em pacientes com doenças crônicas e autoimunes. O uso prolongado de AIES está relacionado com diversos problemas, entre eles: imunossupressão, osteoporose, hiperglicemia, retenção de sódio e supressão do eixo hipotálamo-hipófise-adrenais.
Os AIES mais utilizados na odontologia são a Dexametasona e Betametasona, que são considerada de 25 a 30 vezes mais potentes que a hidrocortisona. Abaixo, um resumo das medicações desse grupo mais utilizadas na prática odontológica, bem como suas posologias.
* As dosagens devem ser individualizadas levando em consideração as características do paciente e da doença a ser tratada.
** Na odontologia, são mais utilizada como "dose-única" para a prevenção de quadros inflamatórios mais incômodos em cirurgias mais traumáticas. Posologia: 4mg uma hora antes do procedimento.
Disponível em? https://pt.slideshare.net/RenatoSantos40/aula-antiinflamatrios |
Analgésicos
O paracetamol e a Dipirona são as drogas analgésicas mais utilizadas na odontologia. O paracetamol, pode ser classificado por alguns autores como um AINE, embora sua capacidade anti-inflamatória seja muito baixa. A dipirona atua deprimindo os nociceptores sensibilizados, por isso, tem maior efetividade nos quadros de dor já instalados. Sabe-se que o Diclofenaco também possui essa capacidade, ou seja, ele atua na dor de duas maneiras: atuando nos mediadores químicos da inflamação e na depressão de nociceptores sensibilizados.
A dipirona é contraindicada para pacientes que possuam alergia aos derivados da pirazolona e portadores de porfiria hepática. O paracetamol é considerado hepatotóxico, por isso, deve ser evitado o uso com outras substâncias tóxicas ao fígado, como a eritromicina (estolato) e bebidas alcoólicas.
O paracetamol é a droga analgésica de escolha nas pacientes grávidas e lactantes, embora neste ultimo caso, a Dipirona também esteja indicada.
Abaixo, os analgésicos mais utilizados por dentistas, veja que o Ibuprofeno também pode ser utilizado como analgésico, dependendo da dosagem.
Paracetamol - Também conhecido como acetaminofeno. É o analgésico de escolha para pacientes com hipersensibilidade ao AAS ou com problemas gastrintestinais. O risco de comprometimento do fígado e dos rins tem sido relatado na literatura, mas nos casos de superdosagem ou uso crônico do medicamento. É utilizado para dores de pequena intensidade ou para prevenir possíveis desconfortos dolorosos. Apresenta fraca capacidade anti-inflamatória (muitas vezes imperceptíveis, clinicamente). Pacientes com doenças hepáticas e com histórico de sensibilidade ao medicamento são suas contraindicações, além disso, devem ser usados com precaução, ou mesmo evitados, em pacientes que fazem uso de barbitúricos, carbamazepina, rifampicina e excesso de álcool. As dosagens usuais são 500mg ou 750mg de 6 em 6 horas. Dose máxima de 4000mg (4g) por dia.
Dipirona - É um derivado pirazolônico, sua ação na debelação dos quadros dolorosos é resultado de seu mecanismo de ação, que está relacionado com a depressão direta dos nociceptores. É mais efetiva que o Paracetamol nos quadros de dor já instalada. Assim como o Paracetamol, apresenta fraco efeito anti-inflamatório. As contraindicações a esse medicamento são: Pacientes alérgicos aos derivados dos pirazolônicos, gravidez, nefrite crônica, discrasias sanguíneas e asma. Deve ser evitada nos pacientes que fazem uso de Barbitúricos, clorpromazina, ciclosporina e uso crônico de álcool. A dose usual é de 500mg de 6 em 6 horas ou de 4 em 4 horas. Dose máxima de 4000mg (4g) por dia.
Analgésicos de ação central
São as medicações utilizadas para dores moderadas que não respondem aos analgésicos convencionais ou dores de grande intensidade. São representados pelo grupo dos opioides e na odontologia os mais utilizados são o tramadol e a codeína. Os antidepressivos tricíclicos, como a Amitriptilina, são utilizados nos distúrbios crônicos da ATM e em quadros de dores neurológicas, como as nevralgias.
Tramadol - Seu mecanismo de ação está relacionado com a estimulação dos receptores opioides. Apresenta cerca de 1/10 da potência da morfina. A dosagem usual é de 50mg de 8 em 8 horas.
Paracetamol + Codeína - Associação de paracetamol (500mg) e Codeína (7,5mg ou 30mg). A dose usual é de 500mg + 7,5mg/30mg de 6 em 6 horas.
Tramadol + Paracetamol - Associação dos medicamentos Tramadol (37,5mg) e Paracetamol (325mg). O intervalo das dosagens é de 37,5mg + 325mg 6 em 6 horas. Nome comercial: UltracetⓇ
Medicações para a dor e Estomatologia
Na estomatologia, os analgésicos são bastante utilizados após procedimentos de biópsias, como forma de gerar um melhor conforto pós-cirúrgico ao paciente. Algumas vezes, pode ser necessário o emprego de AINES ou AIES para reduzir ou mesmo evitar edemas ou outros inconvenientes do processo inflamatório, que geralmente são vistos em biópsias mais invasivas.
Os corticosteroides (AIES) são bastante utilizados na estomatologia, principalmente no combate à doenças mediadas imunologicamente. A prednisona e prednisolona são as medicações mais utilizadas nesses casos.
Referências:
DE ANDRADE, Eduardo Dias. Terapêutica medicamentosa em odontologia. Artes Médicas Editora, 2014.
LÚCIO, Priscilla Suassuna Carneiro; DE CASTRO, Ricardo Dias; DE CASTRO BARRETO, Rosimar. Prescrição medicamentosa sob a visão de estudantes de Odontologia. Arquivos em Odontologia, v. 47, n. 4, 2011.
YAGIELA, John et al. Farmacologia e terapêutica para dentistas. Elsevier Brasil, 2011.
DE ANDRADE, Eduardo Dias. Terapêutica medicamentosa em odontologia. Artes Médicas Editora, 2014.
LÚCIO, Priscilla Suassuna Carneiro; DE CASTRO, Ricardo Dias; DE CASTRO BARRETO, Rosimar. Prescrição medicamentosa sob a visão de estudantes de Odontologia. Arquivos em Odontologia, v. 47, n. 4, 2011.
YAGIELA, John et al. Farmacologia e terapêutica para dentistas. Elsevier Brasil, 2011.
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