Doenças Imunologicamente mediadas - Penfigoide de Membranas Mucosas
O Penfigoide de membranas mucosas é uma doença imunologicamente mediada
do grupos das lesões bolhosas, assim como o pênfigo vulgar. Também é conhecida
como Penfigoide cicatricial, ocular ou de mucosa.
Os autoanticorpos que provocam a doença (IgA, IgG e C3) são encontrados
na região de lâmina basal, sendo as lamininas 5 e 6, proteína BP180 e algumas
integrinas os alvos desses anticorpos. De forma simplificada, a formação de
bolhas nessa doença é o resultado da ação desses autoanticorpos nos componentes
dos hemidesmossomos e outras estruturas da membrana basal (elementos que
promovem a "fixação" do epitélio ao tecido conjuntivo subjacente).
O Penfigoide é mais comum em idosos, entre 60 e 80 anos de idade, mas
também pode acometer jovens e crianças. Outros estudos apontam uma média de
idade entre 50 e 60 anos. Os indivíduos do sexo feminino apresentam maior
predileção.
Características Clínicas
O acometimento oral do penfigoide é bastante comum (85% dos pacientes). As lesões são caracterizadas por múltiplas vesículas e bolhas, que sofrem ruptura (são
mais resistentes que as bolhas do pênfigo) e dão origem à ulcerações doloridas
e de aparência amarelada. Qualquer região da mucosa oral poderá ser afetada,
sendo que o palato, gengiva e as mucosas labial e jugal são as regiões mais
envolvidas. Quando isolado em gengiva, o processo é chamando de gengivite
descamativa, assim como no pênfigo e no líquen plano erosivo.
Outras membranas do organismo são frequentemente afetadas, como:
Conjuntiva ocular (65% dos pacientes), mucosa nasal (20%), região anal e
genital (20%). A pele também pode ser afetada, porém com bem menos frequência
(15% dos pacientes) que no Pênfigo vulgar.
O envolvimento ocular no penfigoide é bastante significativo, sendo
responsável por grande parte da morbidade da doença, pois muitas vezes pode
levar o paciente à cegueira pela cicatrização entre a mucosa conjuntival e a
palpebral, denominada de simbléfaro. A formação de cicatrizes nos olhos e
na pele (quando acometida) justifica a denominação de penfigoide cicatricial,
um dos nomes pelo qual a doença também é chamada.
Quando a região laríngea é acometida (5% a 10%), a formação de bolhas
pode levar à mudanças na voz ou até mesmo à asfixia.
O diagnóstico diferencial é realizado com outras doenças bolhosas, como
o pênfigo vulgar. Algumas doenças infecciosas, como a sífilis secundária, podem
provocar múltiplas lesões ulceradas em cavidade oral, podendo assim, ser
incluídas no diagnóstico diferencial. O lúpus eritematoso discoide e o
líquen plano erosivo também devem ser diferenciados.
Gengivite Descamativa por Penfigoide: Notar intenso edema e ulceração em gengiva superior e inferior,
Formação de Simbléfaros e múltiplas lesões ulceradas orais
Disponível em: http://www.bsom.org.uk/clinical-case-chooser/clinical-case-6/ |
Lesão característica de Penfigoide em gengiva
Bagan et al, 2017 |
Úlcera extensa em palato mole
Disponível em: https://www.uv.es/medicina-oral/Docencia/atlas/penfigoide/1.htm |
Lesões de Penfigoide em palato mole e vestíbulo bucal
Neville et al, 2016 |
Formação de Simbléfaros, união entre a mucosa bulbar com a mucosa palpebral
Disponível em: https://www.merckmanuals.com/professional/eye-disorders/conjunctival-and-scleral-disorders/ocular-mucous-membrane-pemphigoid |
Características Histopatológicas
Os cortes histológicos demonstram a separação do epitélio de superfície do tecido
conjuntivo subjacente, provocando uma fenda subepitelial, diferindo das fendas
intraepiteliais do pênfigo vulgar. O tecido conjuntivo apresenta infiltrado
inflamatório crônico intenso e difuso.
O diagnóstico diferencial microscópico pode ser realizado com o
líquen plano, que algumas vezes pode exibir fendas subepiteliais (mas
outras características próprias do líquen fazem a diferenciação). A angina
bolhosa hemorrágica também apresenta fenda subepitelial, mas é encontrando
grandes quantidades de sangue no interior da fenda. O penfigoide bolhoso
apresenta as mesmas características histológicas do penfigoide de membranas
mucosas, sendo considerado a contraparte cutânea da doença.
Imagem histológica demonstrando uma fenda epitelial formada pela separação do tecido conjuntivo. Infiltrado inflamatório crônico pode ser observado.
Diagnóstico e Tratamento
Com a junção das características clínicas e histopatológicas, o
diagnóstico fica altamente sugestivo de penfigoide, podendo ser confirmado pela
detecção dos autoanticorpos pela técnica da imunofluorescência direta
(com taxas de positividade superiores a 90%) nos espécimes de biópsia. Como
mencionado acima, os componentes imunes mais comumente encontrados são: IgA,
IgG e C3. Alguns estudos mostram que a predominância de IgA e IgM nas lesões
pode estar associada a um grau de doença mais severo. A
imunofluorescência indireta não apresenta boa taxa de positividade (menor
que 10%) demonstrando a ausência ou escassez de autoanticorpos
circulantes no sangue do paciente. Após o diagnóstico de Penfigoide,
o paciente deverá ser encaminhado para diferentes especialistas
médicos, como o oftalmologista e otorrinolaringologista por exemplo, mesmo que
não haja lesões evidentes.
O tratamento pode ser realizado com corticosteroides tópicos ou
sistêmicos, dependendo da gravidade e da quantidade de locais afetados. Quando
o paciente apresenta o quadro de gengivite descamativa, uma placa oclusal de
material flexível poderá ser confeccionada para servir de suporte para a
medicação tópica. O propionato de clobetasol e o dipropionato de betametasona
são exemplos de medicações tópicas que podem ser utilizadas no combate à
doença. Alguns autores preconizam a utilização de injeções intralesionais com
triancinolona, favorecendo a cicatrização das lesões de forma mais rápida. Como
tratamento paliativo, devem ser prescritos medicações anestésicas que possam
reduzir a sintomatologia dolorosa e permitir que o paciente alimente-se melhor
e possa realizar a higienização oral de forma satisfatória.
Nos casos com maior gravidade, deve ser considerado o uso de
corticosteroides sistêmicos, associados ou não aos imunossupressores. Os
medicamentos sistêmicos mais utilizados são: Prednisona, dexametasona,
tetraciclina e dapsona, essas duas ultimas em casos leves e moderados.
Ciclofosfamida e azatioprina podem ser associadas aos corticosteroides nos
casos com maior morbidade.
Imunofluorescência direta demonstrando reatividade na região
de lâmina basal
Disponível em: http://www.pcds.org.uk/clinical-guidance/mucous-membrane-pemphigoid-syn.-cicatricial-pemphigoid#!prettyPhoto |
Injeção intralesional de triancinolona
Disponível em: https://www.dental.theclinics.com/article/S0011-8532(13)00054-2/abstract |
Referências
BABU, Sharlene Sara et al. Mucous membrane pemphigoid. Oral & Maxillofacial Pathology Journal, v. 7, n. 1, p. 702-705, 2016.
BAGAN, J. et al. Oral mucous membrane pemphigoid: A clinical study of 100 low‐risk cases. Oral diseases, v. 24, n. 1-2, p. 132-134, 2018.
GUBERNA, Casnati; BEATRIZ, E.; CUESTAS, Mariela. Penfigoide de membranas mucosas: A propósito de dos casos clínicos. Odontoestomatología, v. 12, n. 15, p. 13-24, 2010.
NEVILLE, B.W.; DAMM, D.D.; ALLEN, C.M.; BOUQUOT, J.E. Patologia Oral e Maxilofacial. Trad.3a Ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, 972p.
REGEZI, J.A; SCIUBA, J.J; JORDAN R.C.K. Patologia Oral: Correlações Clinicopatológicas. 6ª edição. Elsevier, 2013.
WOO, S. B. Atlas de patologia oral. 1. ed. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2013.
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