terça-feira, 17 de março de 2015

Leucoplasia, Eritroplasia e Queilite Actínica

Lesões potencialmente malignas da cavidade oral - Leucoplasia, Eritroplasia e Queilite Actínica

     As alterações que apresentam a capacidade de se transformarem em malignidades são denominada de lesões potencialmente malignas (ou malignizáveis), de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). As lesões malignizáveis mais comuns da cavidade oral são:
- Leucoplasia
- Eritroplasia
- Queilite Actínica
- Líquen Plano*

* Ainda existe muita controvérsia no que diz respeito ao potencial de malignidade do LP, alguns pesquisadores acreditam que uma lesão bastante semelhante, denominada de displasia liquenoide, tenha confundido o diagnóstico clínico de alguns profissionais. Para outros, a própria inflamação induzida pelo LP pode levar ao desenvolvimento de displasia celular.

Leucoplasia

     A leucoplasia é uma lesão branca não removível à raspagem diagnosticada por exclusão, ou seja, é diagnosticada quando todas as outras hipóteses possíveis forem descartadas (dentre elas: candidose, nevo branco esponjoso, líquen plano, morsicatio, etc.). Acredita-se que o uso do tabaco (fumado ou não) seja o principal fator etiológico da leucoplasia oral, substâncias químicas citotóxicas como o benzopireno (um dos constituintes do cigarro), possui a capacidade de penetrar nas células e causar alterações a nível nuclear. Outros fatores etiológicos importantes citados na literatura são: Álcool (principalmente associado ao tabaco), infecção por Candida Albicans (nitrosaminas), HPV, Epstein-Barr, deficiência de vitamina A e radiação ultravioleta.
   A leucoplasia é a lesão potencialmente maligna mais comum, afeta predominantemente indivíduos do gênero masculino (com mais de 40 anos), embora em alguns locais, essas taxas sejam igualadas ou invertidas. As taxas de malignização da doença são baixas, principalmente em leucoplasias homogêneas (aspecto esbranquiçado mais uniforme) onde estudos mostram que apenas 4% dessas lesões tenham essa capacidade.

Características Clínicas

     Clinicamente, as leucoplasias apresenta-se como placas brancas não removíveis à raspagem, podendo apresentar a superfície uniforme e macia (leucoplasias homogêneas), verruciforme (leucoplasias verrucosas) ou entremeadas por áreas vermelhas (leucoplasia mosqueada ou eritroleucoplasias). As lesões homogêneas apresentam as menores taxas de malignização. O lábio inferior, mucosa jugal e gengiva são os locais de maior prevalência. Já o assoalho da boca e a borda lateral de língua são os locais que apresentam as maiores taxas de malignização (e alterações displásicas), sendo prioritário, a realização de uma biópsia incisional da área (logicamente, ficando a critério do profissional).
     As lesões não homogêneas (leucoplasias verrucosas e eritroleucoplásicas) apresentam taxas mais altas (cerca de 25%). A leucoplasia verrucosa apresenta-se como uma lesão exofítica superfície bastante irregular e embotada. Já a eritroleucoplasia, apresenta áreas vermelhas e brancas, demonstrando uma alteração celular mais intensa, onde as células estão perdendo a capacidade de ceratinização (está havendo uma menor diferenciação celular). Embora exista essa classificação, as lesões geralmente apresentam-se de forma mista, ou seja, uma só leucoplasia pode apresentar áreas verrucosas, homogêneas e eritroleucoplásicas.
   A Leucoplasia Verrucosa Proliferativa (LVP) é uma variante agressiva que apresenta altas taxas de malignização (cerca de 80%!). Apresenta-se como uma placa branca verrucosa (semelhante a um carcinoma verrucoso), normalmente multifocal e de altamente recidivante. Essa lesão é mais prevalente em mulheres e não está relacionada ao tabaco. O local de maior prevalência é a gengiva.
  O diagnóstico diferencial da leucoplasia é feito com uma grande gama de lesões brancas que apresentam características semelhantes, como a candidose pseudomembranosa, líquen plano reticular, mucosa mordiscada (morsicatio), Lúpus Eritematoso, Hiperceratose friccional, hiperceratose associada ao tabaco, leucoplasia pilosa, língua geográfica e nevo branco esponjoso. Em relação a candidose, uma simples raspagem da lesão utilizando uma gaze ou espátula metálica pode ser utilizada como manobra semiotécnica, no caso de candidose pseudomembranosa, a placa branca será removida, exibindo um fundo eritematoso. Em casos de suspeita de candidose hiperplásica (que não são removidas pela raspagem) o clínico poderá optar pela administração de um antifúngico tópico por uma semana. O Líquen plano e o Lúpus Eritematoso frequentemente exibem lesões em pele associadas.


Leucoplasia homogênea - Placa branca não removível à raspagem
localizada em borda lateral de língua.
Disponível em: https://www.studyblue.com/notes/note/n/head--neck/deck/11322098




Eritroleucoplasia - Presença de placas brancas entremeadas por áreas
avermelhadas. Nessa localização, é possível que a lesão já seja um
carcinoma de células escamosas.
Disponível em: http://oralcancerldv.org/en/erythroleukoplakia/


Eritroleucoplasia - Áreas brancas e vermelhas em borda lateral de
língua. Outro sítio comum para o CCE.
Disponível em: http://oralcancerldv.org/en/erythroleukoplakia/


Características Histopatológicas

      As principais características histopatológicas da leucoplasia são a hiperceratose, acantose e presença de um infiltrado inflamatório crônico. Algumas lesões pode exibir diferentes graus de displasia celular, sendo de fundamental importância a visualização desta pelo patologista. A displasia não é um achado comum nas leucoplasias (entre 5% a 25%), normalmente as células epiteliais displásicas apresentam essas características: Pleomorfismo celular, hipercromatismo, aumento da relação núcleo-citoplasma, maior número de mitoses, mitoses atípicas, estratificação irregular, hiperplasia da camada basal e disceratose.
     De acordo com a literatura, a displasia pode ser classificada em leve, moderada, severa e "carcinoma in situ". Na displasia leve, apenas as células da camada basal e parabasal do epitélio apresentam alterações displásicas. Nas displasias moderadas e severas, as alterações epiteliais acometem da camada basal à porção média do epitélio e acima desta, respectivamente.
     O "carcinoma in situ" ocorre quando toda espessura do epitélio apresenta displasia, ou seja, envolve da camada basal à superfície epitelial, no entanto, ainda não existe invasão tecidual, caso seja observada qualquer indício de invasão, a lesão já deve ser classificada como um Carcinoma de células escamosas invasivo. É importante citar que quanto maior o grau de displasia de um tecido, maior é sua capacidade de transformação maligna.
     A LVP, microscopicamente, apresenta superfície irregular e papilar, muitas vezes podemos observar a presença de invasão tecidual, sendo bastante semelhante a um carcinoma verrucoso.

Podemos observar a presença de acantose, hiperparaceratose e um infiltrado 
inflamatório no tecido conjuntivo. (lado direito)
Disponível em: http://galleryhip.com/leukoplakia-histology.html


Esquema mostrando os graus de displasia epitelial de acordo com a espessura
de acometimento. (embora as imagens sejam de espécimes do esôfago, há
bastante similaridade).
Disponível em: http://cebp.aacrjournals.org/content/22/4/540.figures-only


Diagnóstico e Tratamento

     O diagnóstico da leucoplasia é obtido a partir das características clínicas da lesão, bem como, pela realização de uma biopsia incisional para posterior análise histopatológica. É necessário que o patologista identifique a presença, ou não, de displasia epitelial. Caso exista displasia, é indicada a remoção da lesão. Não sendo detectada, o profissional pode optar por remover ou acompanhar o paciente. É extremamente importante que o paciente seja informado quanto a etiologia da leucoplasia e sua possível transformação em uma malignidade.
     Como já discutido, o tratamento indicado para as leucoplasias que exibem displasia (leve à severa) é a remoção cirúrgica da mesma (remoção completa), essa manobra pode ser realizada de diversas formas, como por exemplo: excisão por bisturi, criocirurgia e ablação a laser. Alguns artigos na literatura citam o uso de retinoides (vitamina A) para o tratamento da leucoplasia. O ácido retinoico é importante para o correto metabolismo celular, pois, a partir dele são sintetizadas proteínas que auxiliam na produção de ceratina, apoptose e também atuam como fatores de crescimento. Desta forma, a vitamina A auxilia na diferenciação celular, reduzindo a carcinogênese.
     Algumas leucoplasia podem regredir espontaneamente caso p paciente elimine o agente causador da lesão, que na maioria das vezes é o tabaco.


Fases de apresentação clínica da leucoplasia
NEVILLE, et al, 2009



Eritroplasia 

      A eritroplasia é uma mácula eritematosa que não pode ser classificada como nenhuma outra patologia (assim como a leucoplasia, seu diagnóstico é feito por exclusão). Foi descrita inicialmente por Queyrat, que observou lesões semelhantes em pênis.
     O uso do tabaco, consumo de álcool, deficiências nutricionais, infecções virais e fatores genéticos e hereditários são os fatores etiológicos mais citados na literatura. As eritroplasias são lesões incomuns que frequentemente exibem altos graus de displasia (cerca de 90% dessas lesões já exibem displasia severa, carcinoma in situ ou carcinoma invasivo), ou seja, de todas as  lesões potencialmente malignas, as eritroplasias são as que mais requerem atenção por parte do clínico e do patologista.
     A lesão apresenta predileção por indivíduos com idades entre 50 e 70 anos de idade, e ambos os sexos são acometidos igualmente.

Características Clínicas

    As eritroplasias são lesões maculares incomuns de margens bem definidas, textura macia, consistência amolecida ou endurecida e coloração avermelhada. Normalmente estão localizadas em assoalho da boca, língua, palato mole e mucosa retromolar. Quando a lesão apresenta áreas esbranquiçadas, é denominada de eritroleucoplasia. Algumas vezes podemos observar a presença de múltiplas lesões.
    O Sarcoma de Kaposi, equimoses, candidose eritematosa, reações alérgicas de contato, malformações vasculares, psoríase e mucosite devem ser incluídos como diagnósticos diferenciais da eritroplasia.

Eritroplasia - Lesão eritematosa localizada em rebordo alveolar
superior em paciente tabagista.
Disponível em: http://www.exodontia.info/Erythroplakia_Erythroplasia.html


Lesão avermelhada em palato duro
Disponível em: http://oralcancerldv.org/en/erythroplakia/


Eritroplasia em palato mole
Disponível em: http://www.juniordentist.com/erythroplakia.html


Características Histopatológicas

     Microscopicamente, as eritroplasias, na grande maiorias das vezes exibem características de displasia celular severa ou já exibem alterações malignas. É comum observarmos a perda da camada de ceratina na superfície do epitélio, além disso, ainda exibe atrofia ou acantose. No tecido conjuntivo subjacente podemos observar a presença de um infiltrado inflamatório crônico.
     De acordo com a literatura, das biópsias realizadas em eritroplasias, 50% já exibem um carcinoma de células escamosas; 40% exibem displasia severa ou um carcinoma in situ e apenas 10% dessas lesões exibem displasia leve ou moderada.

Esquema mostrando o grau de displasia epitelial

Disponível em: http://jdr.sagepub.com/content/92/2/114/F1.expansion.html


Diagnóstico e Tratamento

     Assim como as leucoplasias, é necessário uma correlação entre exames clínicos e histopatológicos para o correto diagnóstico da condição. Nesta, é ainda mais importante a detecção de displasia pelo patologista. O paciente deve ser aconselhando quanto ao fim do hábito deletério (na grande maioria das vezes é o tabagismo).
     As lesões que exibirem displasia severa ou carcinoma in situ devem ser removidas cirurgicamente e o paciente deve ser acompanhado por longos períodos, pois essa lesão apresenta tendência a sofrer recidiva.       As lesões também pode ser removidas a partir da ablação a laser e criocirurgia.


Queilite Actínica

   A queilite actínica (ou queilose) é uma lesão potencialmente maligna bastante comum que está associada a exposição crônica ao sol (raios UV). Essa condição é mais comum em indivíduos que trabalham ao ar livre e sem nenhuma proteção aos raios solares.
  O dano solar possui a capacidade de alterar o padrão de normalidade celular, chegando a causar danos irreversíveis nas células. Acredita-se que 95% dos casos de Carcinoma de células escamosas de lábio inferior tenham origem a partir de queilites actínicas.
    A queilite actínica normalmente acomete pacientes de pele branca com menos de 45 anos de idade, tendo uma maior predileção pelo gênero masculino.

Características Clínicas

     A queilite actínica é uma lesão que ocorre no lábio inferior e, clinicamente, pode ser classificada em aguda ou crônica. A forma aguda normalmente está relacionada com uma intensa exposição ao sol em um curto período de tempo (havendo remissão da sintomatologia), é caracterizada pela presença de fissuras, edema e ulcerações. Já a forma crônica, tem mais relevância clínica, pois nesses casos há um exposição crônica aos raios solares, causando alterações celulares mais intensas e permanentes. Nessa forma, é comum observarmos ressecamento labial, perda do delineamento entre vermelhão do lábio e pele, lesões leucoplásicas e a presença de crosta em casos mais avançados.
    A ceratose actínica é a contraparte cutânea da lesão, apresenta-se como uma placa esbranquiçada indolor de superfície áspera (semelhante à lixa), geralmente menor que 7mm de diâmetro. A face, o pescoço e o dorso das mãos são os locais mais acometidos.
     O Carcinoma de células escamosas de lábio, leucoplasias, eritroplasias, líquen plano, herpes, queilite exfoliativa e o ressecamento labial devem ser incluídos no diagnóstico diferencial.


 Observar o aspecto ressecado e áspero do lábio inferior, nesse caso
já podemos perceber a perda do limite entre o vermelhão do lábio
e a pele.
Disponível em: http://www.dermis.net/dermisroot/en/52821/image.htm


Perda do delineamento labial e lesões crostosas em lábio inferior
Disponível em: http://www.dermis.net/dermisroot/en/52821/image.htm



Áreas eritroleucoplásicas e em crosta no lábio inferior
do paciente.
Disponível em: http://diseasespictures.com/actinic-cheilitis/


Características Histopatológicas

     Histologicamente, o tecido acometido apresenta atrofia epitelial, acentuada hiperceratose e displasia celular em graus variados. No tecido conjuntivo subjacente, podemos observar um infiltrado inflamatório crônico e uma alteração basofílica nas fibras colágenas e elásticas (degeneração) denominada de elastose solar, essa características também é encontrada nas ceratoses actínicas.
     Outras características microscópicas encontradas são: degeneração hidrópica, espongiose, hiperplasia epitelial e hipergranulose.

Podemos observar atrofia epitelial, hiperortoceratose e elastose solar.
Disponível em: http://www.humpath.com/spip.php?article3854



A elastose solar é uma alteração basofílica que ocorre no tecido
conjuntivo exposto cronicamente ao sol
Disponível em: http://www.dermpedia.org/dermpedia-textbook/actinic-keratosis


Diagnóstico e Tratamento

     Alguns autores acreditam que a condição deve ser controlada, sem a necessidade da realização de biopsias, mas, por se tratar de uma lesão potencialmente maligna, é muito importante a realização desse procedimento para posterior exame histopatológico e detecção de displasia (principalmente em casos de lesões com aspecto eritroleucolásico, ulcerações e áreas endurecidas). O paciente deve ser advertido quanto a necessidade de proteção do lábio inferior contra os raios solares.
  Em casos de lesões extensas, uma manobra cirúrgica chamada vermelhectomia pode ser utilizada. Esse procedimento tem como objetivo remover total ou parcialmente o vermelhão do lábio do paciente, para após isso, suturar a mucosa labial à pele. A eletrodissecção, ablação a laser, aplicação tópica de 5-fluorouracil e terapia fotodinâmia são citados na literatura como tratamentos alternativos.


Referências:

ARNAUD, Rachel Reinaldo et al. Queilite actínica: avaliação histopatológica de 44 casos. Rev Odontol UNESP, v. 43, n. 6, p. 384-389, 2014.

CINTRA, José Silvino et al. Queilite Actínica: Estudo epidemiológico entre trabalhadores rurais do município de Piracaia-SP. Revista da Associacao Paulista de Cirurgioes Dentistas, v. 67, n. 2, p. 118-121, 2013.

DA SILVEIRA, Éricka Janine Dantas et al. Lesões orais com potencial de malignização: análise clínica e morfológica de 205 casos. J Bras Patol Med Lab, v. 45, n. 3, p. 233-238, 2009.

DE SOUSA, Fernando Augusto Cervantes Garcia et al. Líquen plano bucal versus displasia epitelial: dificuldades diagnósticas. BRAZILIAN JOURNAL OF OTORHINOLARyNGOLOGy, v. 75, n. 5, p. 716-20, 2009.

HOSNI, Elaini Sickert et al. Eritroplasia e leucoeritroplasia oral: análise retrospectiva de 13 casos. Braz J Otorhinolaryngol, v. 75, n. 2, p. 295-9, 2009.

MARTORELL-CALATAYUD, A. et al. Oral leukoplakia: clinical, histopathologic, and molecular features and therapeutic approach. Actas Dermo-Sifiliográficas (English Edition), v. 100, n. 8, p. 669-684, 2009.


NEVILLE, B.W.; DAMM, D.D.; ALLEN, C.M.; BOUQUOT, J.E. Patologia Oral e Maxilofacial. Trad.3a Ed., Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, 972p.

REGEZI, J.A; SCIUBA, J.J; JORDAN R.C.K. Patologia Oral: Correlações Clinicopatológicas. 6ª edição. Elsevier, 2013.

WOO, S. B. Atlas de patologia oral. 1. ed. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2013.

   

11 comentários:

  1. Boa tarde, liquen plano pode ser estriado retilineo, vermelho, sem ulceracções na mucosa labial inferior, região de caninos bilateral?

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  2. Esse site me salva muito nas provas da faculdade! Continuem com o excelente conteúdo. PARABÉNS (:

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  3. Eu acredito que meu caso e queilite actinica e severa pois tem uma placa branca no meio do lábio inferior, e nada faz sumir começou vermelho e os anos passou e ficou branca e seca queria muito indicação de médicos que trate em Goiás na região de Anápolis e Goiania.

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